domingo, 19 de junho de 2011

Pedalar e Pedalar


Cabelo desajeitado, barba por fazer e algumas histórias loucas para contar, figura conhecida e que procura não aparecer muito. Esse é o personagem que pretendo retratar aqui, em detalhes, ou pelo menos aqueles que sei.
Pinhão, como é conhecido pelos amigos e até hoje não sei o nome verdadeiro, preferi não pedir para não dar seriedade à narração, e sim, mostrar realmente como o sujeito e sua história se desenvolvem.
Nas minhas idas à Unisinos, sempre tive conversas desinformais com o rapaz, sobre todo o assunto imaginado, desde política até literatura. Entre esses devaneios surgiram nomes como Allen Ginsberg e O uivo, até Jack Kerouac e On The Road.
E foi exatamente daí que puxei o fio da ninhada para a história. On The Road, é a história de Jack Kerouac viajando os EUA sem um puto no bolso, escritor que marcou o movimento beat com um texto cru poético e com poucas vírgulas.
Em uma das muitas idas que faço mensalmente, Pinhão contou-me sobre certa vez em que resolveu ir pedalando até Torres, passando por Cambará do Sul e suas belíssimas paisagens.
Já na casa  do rapaz, com o intuito de fazer a entrevista fui bem recebido pela sua família, subimos ao quarto do jovem. Um ambiente com muita paz, algumas esculturas e o livro Diários de Bicicleta na cabeceira.
Ele começa falando de cada uma das esculturas, o que é, e como foram feitas. "Tu vê na madeira já o formato de alguma coisa, seja um rosto, um objeto, eu só moldo em cima disso", declara Pinhão com uma simplicidade enorme, parecendo não reconhecer seu próprio talento.
Quando chegamos no assunto da viagem, vi uma certa animação quase que eufórica por parte do rapaz querendo contar tudo ao mesmo tempo. Tendo saído de Bento Gonçalves às 18 horas de sexta e retornado às 4 da manhã de domingo, Pinhão percorreu 520 km de bicicleta em um final de semana.
Ele conta como é gratificante a linda paisagem do Cânion Fortaleza, depois de ter pedalado mais ou menos 180 Km. "A bicicleta proporciona isso, tu te torna parte do lugar, realmente vive aquilo!", fala sobre o banho de cachoeira que tomou no local. O rapaz que é muito apegado à natureza, conta com um certo espanto como o tempo mudou de um minuto pro outro quando estava lá em cima. "Parece que conspirou a nosso favor, o sol se escondeu logo depois de nós chegarmos no topo do cânion".
Pinhão conseguiu despertar minha curiosidade sobre o assunto de uma forma técnica. Foi quando perguntei a ele se exige muita resistência fazer uma viagem assim. "40% corporal, 60% mental", diz como se fosse uma atividade fácil e até rotineira.
Depois de uma pausa na conversa, nós nos deslocamos até a sacada do quarto, percebi que já tinha a pauta. Mas faltava algo, e entre conversas e conversas questionei sobre algo que tenha lhe chamado a atenção, marcado de alguma forma. Foi interessante a forma como Pinhão baixou a cabeça e buscou a lembrança no fundo da memória.
Contou-me sobre um carro que passou na beira da estrada em uma velocidade altíssima, alguns KM à frente encontrou o mesmo carro acidentado. Neste momento, Pinhão começa a fazer questionamentos profundos sobre toda pressa que a "sociedade do automóvel" vive no dia-a-dia.
Alguns KM à frente, em Lajeado Grande, o rapaz resolve tomar café em um posto, quando para um caminhoneiro com o carro acidentado na caçamba, e, interessado na história de Pinhão, lhe oferece carona até a cidade de Caxias do Sul. "Não aceitei, seria uma traição comigo mesmo, meu objetivo era ir e voltar pedalando", declara com tremenda determinação.
Em continuação a esse assunto, Pinhão indignado fala como não há espaço para ciclistas nas rodovias federais, e tem uma lei que proíbe andar de bicicleta nestes locais. "As vezes percebo que já perdemos até o direito de ir e vir".
Oitenta reais no bolso, barraca nas costas e uma bicicleta. Pinhão é um exemplo de como não precisamos de muito para aproveitar a vida realmente.

Por Lucas Araldi

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