sábado, 18 de junho de 2011

Porto Alegre aos olhos de um porto-alegrense

Foi em uma rua próxima de onde nasceu que nos encontramos, eu, a repórter, e Ricardo, o porto-alegrense que seria entrevistado. Ele, um cara simples, de cabelos grisalhos e mãos no bolso, segurando uma guia que levava a um cachorro da raça Beagle, começou então a conduzir-me pelas ruas calmas e quietas do bairro São João, na Zona Norte de Porto Alegre. Eu não podia para de indagar sobre o tipo de história que iria ouvir na próxima hora, pois Ricardo é conhecido por gostar de contar suas façanhas juventude afora por Porto Alegre. Enquanto nos dirigíamos a Rua Marcelo Gama, rua de seu nascimento, Ricardo ia me contando algumas histórias e a entrevista ia se desenrolando. Ao chegarmos na tão falada rua, foi notável a emoção com que Ricardo anunciou a chegada: “Chegamos, essa é a rua em que nasci.” E então, não conseguiu mais conter as lembranças de sua querida Porto Alegre que lhe vinham à mente. Algumas delas estão na entrevista a seguir:

O porto-alegrense, Ricardo, ao lado de uma placa da 
rua em que nasceu e cresceu, Marcelo Gama.
Bruna: Qual o teu nome completo e em que ano tu nasceste?
Ricardo: Ricardo da Silva Raupp, nasci em 1953.
B: Aqui em Porto Alegre?
R: Porto Alegre. Nasci na Rua Marcelo Gama, perto de onde moro agora.
B: Conte um pouco da tua infância aqui em Porto Alegre, se passou ela na capital.
R: Sim, passei em Porto Alegre, aqui na Marcelo [rua]. A vida era muito simples naquela época. A gente tinha uma vizinhança onde vivia bastante morador de longa data, a gurizada toda se dava bem, tínhamos uma turma grande que brincava na rua. As famílias, de noite, no verão, se sentavam na frente de casa pra conversar. Não tinha esse problema de criminalidade, de assalto. A vida era mais tranqüila.
B: Porto Alegre então era uma cidade tranqüila?
R: Sim, uma cidade bem tranqüila. É aquela coisa, a criança não ouve falar tanto dos problemas. Não havia esse diálogo com a criança. Hoje em dia , tem televisão, tem internet.
B: Hoje, tu consideras Porto Alegre uma cidade violenta?
R: Eu não considero violenta. Conforme o crescimento da cidade, os problemas crescem também. Existe o problema do crime, hoje em dia ele é muito noticiado, mas eu não vejo que ela seja tão violenta, tão perigosa assim.
B: Como era o colégio em Porto Alegre, na época em que tu o freqüentava? Como era a oportunidade de estudar?
R: Os primeiros anos eu estudei em escola particular, que era pertinho de casa, era na Igreja Sagrado Coração de Jesus. Depois, eu passei ao grupo escolar Benjamin Constant, que era uma escola do governo. Não tinha problemas de matrículas, não. Usava-se uniforme, mesmo no grupo escolar. Naquela época todos os colégios tinham uniformes. O grupo escolar exigia que se usasse um guarda-pó. As classes eram lotadas. Todos estudavam.
B: O que tu costumavas fazer para se divertir na infância?
R: Nós brincávamos na rua. A gente jogava taco, bolinha de gude. Brinquedos eram muito poucos. As brincadeiras eram todas mais coletivas na rua, perto de casa. No verão, que ficávamos até mais tarde na rua, brincávamos de esconder, de pegar.
B: Quantos anos tu tinha quando estourou a ditadura no Brasil?
R: Eu tinha 11 anos.
B: Tu lembras como foi isso em Porto Alegre?
R: Lembro de coisas que envolveram a minha família diretamente. Meu pai trabalhava no aeroporto e aí ele não votou pra casa. Ele não veio 3 dias pra casa. Eles ficaram detidos no aeroporto. O exército tomou conta e eles ficaram detidos. Isso depois a mãe me contou, porque perdi meu pai muito cedo. Depois de 3 dias ele voltou pra casa e contou pra mãe o que aconteceu: o pai era muito fã do Brizola, e enquanto eles estavam detidos, em um desses 3 dias, deram uma ordem pra que abastecessem e deixassem pronto um avião. Uma entrada lateral do aeroporto eles mandaram deixar aberta, mas não explicaram nada para ninguém. De repente, chegaram uns carros e entraram rapidamente, nesses carros estavam o Brizola e a sua esposa. Eles estavam fugindo. Foi quando eles foram pro Uruguai. Lembro que foi uma decepção pro meu pai, que acreditava que o Brizola ia defender o estado gaúcho. O pai achou que foi tudo combinado, e depois ficou visto que era, pois os caminhões do exercito chegaram quando o avião estava longe, e não conseguiram pegar o político.
Outra vez, o que aconteceu foi que houve o casamento de uma prima minha, as mulheres alugaram chapéu pra ir na festa, e depois do casamento, foram devolver o dito chapéu, minha mãe, minha prima e eu. A casa do comandante do Terceiro Exército é aqui em cima numa esquina, ainda é ali, e minha mãe por brincadeira, já que o chapéu estava em uma caixa, falou pra minha prima: “Onde é que eu coloco a bomba?”. E o guarda que estava de sentinela nos deteve. Veio todo um batalhão que ficava naquela casa, o oficial mandou minha mãe abrir a caixa com todo o batalhão em volta, e ela ria, dizia que era uma brincadeira. Então ela abriu a caixa. O oficial viu que só tinha um chapéu ali, nos xingou e nos mandou embora. [Rindo]
B: Na tua adolescência, quais eram as diversões que Porto Alegre oferecia?
R: A gente ia no cinema, nas reuniões dançantes, tomávamos bastante o drink samba, com gim tônico, era o que saía mais barato. Comprávamos um copo disso e 4 ou 5 tomavam. [risos] O cinema era bem baratinho, às vezes ia o pai, a mãe , todos os filhos, juntava mais gente e ia todo mundo junto. Andar de bicicleta, às vezes, ficávamos a tarde inteira pedalando. Hoje se corre o risco de atropelamento. Às vezes, íamos para a Redenção, mas era muito longe. Hoje é mais fácil, todo mundo tem carro. Outra coisa, quando tinham festas cívicas, como 7 de setembro, todo mundo ia assistir. Não era uma obrigação como é hoje que as professoras têm que dar pontos aos alunos para que eles desfilem. E mesmo depois quando eu não desfilava mais, eu ia assistir os desfiles. Depois tudo isso foi se perdendo. Eu lembro que tinha uma menina que era mascote dos bombeiros , que desfilou anos e anos.
B: Porque ela era mascote?
R: Porque quando ela nasceu faltou luz, e os bombeiros foram atender a essa emergência. Por isso ela virou a mascote. Ela desfilou muitos anos quando criança, usava uma saia vermelha e um casaco branco, como o uniforme dos bombeiros, e a gente achava lindo isso. Íamos ver ela desfilar como mascote. Eu gostaria de saber por onde essa menina anda hoje em dia, pois ela sumiu.
B: Daria uma bela pauta de reportagem, não?
R: Daria sim!
B: Onde era mais comum ir às reuniões dançantes, aqui na capital?
R: Aqui perto [Zona Norte] tinha no Libanesa, tinha no Navegantes São João. Tinha na Sociedade Polônia, na Avenida São Pedro.
B: Quais as principais mudanças que tu notaste em Porto Alegre ?
R: Na cidade, a principal mudança foi a construção dos viadutos. Eu acho que facilitou muito o deslocamento entre um bairro e outro.
B: O que mais te marcou na cidade, algo que se fazia antigamente e hoje não se faz mais?
R: Tinham as corridas de carrinho de lomba na Dom Pedro II. Tinham carrinhos de diversos tipos e tamanhos. Tinha os de força livre, que eram mais trabalhados e tudo, a peculiaridade dos carrinhos é que eram todos feitos em casa. Lá por 67, não lembro o ano certo, nós participamos dessa corrida, fizemos uma equipe, da Rua Marcelo, com dois carrinhos de força livre. Envolveu bastante gente. Nós estávamos todos empolgados com aquilo. A corrida acontecia só um dia por ano, era dado troféu e tudo. O Correio do povo que promovia. Quando chegamos lá, não ganhamos nada, mas pra nossa surpresa, tinha um pessoal da Springer, uma fábrica de refrigeradores, e eles escolheram um amigo nosso pra fazer uma propaganda de um refrigerador, por causa da corrida. Ele apareceu em uma revista depois, para nós foi a glória. Porque naquele tempo não tinha nada de excepcional acontecendo , então, um amigo aparecer em uma revista era a glória.
B: Hoje em dia ainda acontecem essas corridas?
R: Isso aí terminou, porque a cidade foi se modernizando. Só que eu li na internet, uns dias atrás, que um pessoal começou a fazer essas corridas novamente, de brincadeira. E está ganhando notoriedade. Aos domingos o pessoal se reúne para andar de carrinho de lomba.
B: Diga um lugar que marcou tua juventude em Porto Alegre?
R: O centro! Eu adoro o centro! Era onde tudo convergia, antes da chegada dos shoppings. No sábado eu ia para o centro, botava uma roupa bonita, pegava o bonde na Benjamin e ia para lá. Tinham lá os estabelecimentos tradicionais, padarias. Os shoppings terminaram com isso. O centro agora está abandonado. Antes não eram permitidos ambulantes, no máximo algumas esquinas tinham bancas de frutas, e eram poucas. Na Praça da Alfândega tinha um corredor de engraxates, era normal ir lá engraxar os sapatos, até porque se usava mais sapatos que tênis.
B: Qual é o teu sentimento em relação à cidade? O que ela significa pra ti?
R: Ah, significa muito! Eu nasci aqui e eu gosto de Porto Alegre. Eu não vejo Porto Alegre com tantos problemas. Existem problemas? Existem, mas não vejo como uma coisa que afete tanto a minha vida. Não é uma cidade assim tão grande, tem um milhão e pouco de habitantes, o pior dos problemas pra mim é o excesso de carros nas ruas, o trânsito, mas acho que isso é natural por causa do crescimento. Ela [a cidade] melhorou muito desde quando eu era criança.
B: Tem saudades de alguma coisa da cidade?
R: Saudades eu não sinto, foi uma época que vivi, foi agradável. Se eu sentir saudade é disso mesmo, de ir ao centro, caminhar por lá. A vida corrida não nos permite mais.
B: Mas o amor por Porto Alegre continua o mesmo?
R: Adoro Porto Alegre, vou viver aqui até morrer! Levar a vida social é mais difícil do que no interior, mas para ao dia-a-dia não tem como Porto Alegre.
B: Por causa das facilidades?
R: É, e também porque, no meu caso, eu nasci aqui, me criei e fui embora. Depois voltei a viver onde eu cresci e tudo se torna mais familiar. Mas ficarei em Porto Alegre para sempre!

Por Bruna Reis

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